30 maio, 2008

RELAÇÕES HUMANAS DISTORCIDAS-I

I-O RIGORISMO EDUCATIVO

Na educação da Teresa tudo estava marcado pelo rigor perfeccionista e pelo devidamente regulamentado:

As amigas eram escolhidas pela mãe. Havia as horas de oração, de estudo, os tempos de brincar e de ir para a cama.

Lá em casa havia o quarto do castigo para o qual a Teresa ia sempre que cometia desmandos.
Tudo isto funcionava com o máximo de ordem e rigor.

Tudo estava tão determinado que não havia tolerância para erros e falhas. Era a mãe quem decidia os vestidos que a Teresa devia usar.

Também era a mãe que decidia sobre os livros que ela devia ler. Era a mãe quem impunha os assuntos das conversas que a Teresa devia ter com as amigas que a mãe escolhera para ela.

Enclausurada nesta redoma, a Teresa agia como uma menina perfeita. Não havia o menor espaço para falhar, pois a mãe era uma presença constante no dia-a-dia da Teresa.

Se por qualquer razão a mãe não podia estar presente, havia uma empregada escolhida expressamente pela mãe para esta missão.

O pai era um estranho na vida da Teresa, pois viva para os seus negócios. Passavam-se semanas em que o pai e a filha nem sequer se encontravam.

Se a Teresa gostasse de uma saia ou quisesse vestido devia avisar a mãe. Esta depois de analisar a respectiva peça de vestuário, decidia se era adequada ou não.

No caso de a saia ou o vestido não agradarem à mãe, esta, com toda a ternura e carinho, fazia-lhe entender que aquela peça não era apropriada para uma menina como ela.

A Teresa não era capaz de resistir. Pouco a pouco, habituou-se a ceder sempre à mãe, acabando por se anular progressivamente.

Se as colegas lhe falavam de um filme interessante, a mãe da Teresa fazia-lhe entender as razões pelas quais esse filme não era adequado para a sua idade ou condição.

Aparentemente, a Teresa era uma menina perfeita. Na verdade, ela nunca teve oportunidade de falhar, pois nunca teve a possibilidade de fazer opções.

A mãe encarregava-se de decidir por ela. Talvez para sair do ambiente asfixiante que a não deixava emergir, a Teresa casou muito nova.

O marido com quem casou pertencia a uma família muito estimada pela sua mãe. Além disso, tinha mais dez anos. Como não estava treinada para decidir e gerir a vida familiar, o marido começa a substituir a Teresa.

De menina substituída pela mãe, a Teresa passa a ser uma menina substituída pelo marido.
Como a mãe nunca lhe deu oportunidades para fazer compras, a Teresa não sabe administrar o dinheiro.

Era sempre a mãe que realizava esta tarefa. Agora é o marido quem administra o dinheiro e decide o que é melhor adquirir lá para casa.

Antes foi a mãe quem bloqueou a sua realização pessoal. Agora é o Marido.Ao atingir os quarenta anos de idade, a Teresa apercebe-se de que foi sempre uma substituída.

Apesar de nunca lhe ter faltado nada, a Teresa compreende que não teve o fundamental: o contexto e as condições para se realizar como pessoa livre, consciente e responsável.

Viveu sem grandes tombos de tipo moral ou profissional. Mas, agora, dá-se conta que nunca teve oportunidades para tomar decisões e fazer projectos de vida pessoal.

Ainda hoje, a Teresa é incapaz de tomar decisões quando a mãe está presente. Dói-lhe o facto de nunca ter lutado pelos seus gostos e interesses pessoais.

Hoje, a Teresa considera-se uma mulher falhada, pois não conseguiu crescer como pessoa. Como é culta, a Teresa reconhece que os anos que nos são dados para vivermos na história são a grande oportunidade para nos realizarmos como pessoas.

Na verdade, a pessoa realiza-se optando, decidindo e agindo na linha do amor. A Teresa reconhece que a mãe não é uma pessoa má. Foi mal amada e, por isso mesmo, amou mal, impedindo-a de ser uma pessoa adulta e amadurecida.

Com efeito, a pessoa não é propriedade de ninguém. Por outras palavras, as pessoas não se possuem, relacionam-se.

Podemos dizer que cada pessoa é um pessoa é um absoluto relacional. As pessoas não são objectos de que possamos dispor segundo o nosso capricho ou arbitrariedade.

Chantagear ou substituir uma pessoa é imoral, pois isso significa destruir a sua dignidade e impedi-la de se realizar e ser feliz.

À medida que se realiza, a pessoa cresce em densidade espiritual e capacidade de interagir com os outros em dinâmica de comunhão amorosa.

A dinâmica da humanização faz emergir a pessoa tanto no sentido pessoal e espiritual, como na capacidade de agir em relação ao bem comum.

Por isso, impedir uma pessoa de se humanizar além de um pecado contra a pessoa é também um pecado contra a sociedade.

Podemos formular assim a lei da humanização: “Emergência pessoal mediante relações de amor e convergência para a comunhão universal”.

O património da comunhão humana universal é a riqueza das pessoas que a constituem. Isto significa que a vida da de um ser humano não vale pelos anos que dura na história, mas pela densidade pessoal e capacidade de comungar que atinge.

A pessoa que impede os outros de se realizarem como pessoas também não se realizam.
Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias

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