10 julho, 2009

QUANDO A BÍBLIA FALA DO HOMEM CARNE

A bíblia vê a Humanidade como uma realidade orgânica, interactiva e dinâmica. Isto significa que as pessoas não são ilhas. Com efeito, o ser humano apenas encontra a sua plenitude na comunhão com os outros.

Reduzida à condição de ilha, a pessoa humana está em estado de perdição. Na verdade, o estado de inferno é a pessoa enroscada em si.

Não tem ninguém que lhe diga “gosto de ti! Dá-me a tua mão e vamos fazer uma festa”.

Quando fala do Homem carne, a bíblia não está a utilizar conceitos biológicos, mas está a ver a Humanidade como uma grandeza orgânica, interactiva e fecunda (cf. Jo, 15, 4-5).

Ao falar do matrimónio, o Livro do Génesis diz que no casal humano o homem e a mulher formam uma só carne (Gn 2, 24).

Com esta expressão o Livro do Génesis não quer dizer que o marido e a mulher têm a mesma estrutura genética, mas que formam um união orgânica, interactiva e fecunda.

Do mesmo modo os crentes são baptizados no mesmo Espírito Santo, a fim de formarmos um só corpo com Cristo (1Cor 12, 13).

Na comunidade cristã, os crentes são membros do Corpo de Cristo, cada qual com uma função própria (1Cor 12, 27).

Ao falar da Eucaristia, São Paulo diz que comemos do mesmo pão, a fim de formarmos um só corpo (1Cor 10, 17).

Também a Humanidade forma uma união orgânica, interligada como um todo interactivo. Por um só homem o pecado e a morte, diz São Paulo, entraram no mundo, atingindo a todos (Rm 5, 12).

Através de Cristo, o Novo Adão, Deus introduziu a força restauradora do Espírito no tecido humano, vencendo a morte e o pecado.

“Os maridos devem amar as mulheres como os seus próprios corpos. Aquele que ama a mulher ama-se a si mesmo. De facto, ninguém jamais aborreceu a sua própria carne.

Eis o que diz a Carta aos Efésios: O homem deixará pai e mãe, ligar-se-á à sua mulher e passarão a ser uma só carne” (Ef 5, 28-31).

Utilizando o modelo de Cristo como cabeça da comunidade, a Carta aos Efésios, diz que o marido é a cabeça da mulher:

“O marido é a cabeça da mulher como Cristo é a cabeça da Igreja, seu corpo, e da qual é o Salvador” (Ef 5, 23).

Na carta aos Filipenses, São Paulo fala das razões de se gloriar na carne, cujo conceito nada tem a ver com a biologia:

“Também eu poderia confiar na carne. Se os outros o fazem, quanto mais eu poderia fazê-lo. Fui circuncidado ao oitavo dia. Sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim.Sou hebreu, filho de hebreus. Quanto à Lei, fui fariseu. Quanto a zelo, persegui a Igreja de Deus.





No que se refere à justiça da Lei vivi irrepreensivelmente” (Flp 3, 4-6). Jesus chamou Satanás a Pedro por este entender a missão messiânica de Jesus segundo a carne e não segundo o Espírito Santo (Mt 16, 23).

Ao abençoar a fé de Pedro, Jesus diz-lhe que não foi a carne nem o sangue quem lho revelou, mas o Pai que está nos céus (Mt 16, 16-17).

A ressurreição não é um acontecimento biológico mas espiritual: “Semeia-se na corrupção e ressuscita-se na incorruptibilidade.

Semeia-se na ignomínia e ressuscita-se na glória. Semeia-se na fraqueza e ressuscita-se na força.
Semeia-se corpo natural e ressuscita-se corpo espiritual.

O que digo, irmãos, é que a carne e o sangue não podem tomar parte no Reino de Deus, pois a corrupção não herdará a incorruptibilidade.” (1Cor 15, 42-50).

Ao falar da Eucaristia, o evangelho de São João revela já a preocupação de se defender a Igreja da acusação de antropofagia.

Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós.

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e ressuscitá-lo-ei no último dia.

Na verdade, a minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é uma verdadeira bebida.

Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim eu nele. (Jo 6, 32-63). Comer a carne de Cristo e beber o seu sangue significa entrar em reciprocidade de comunhão orgânica.

Por isso Jesus afirma: “A carne (biologia) não serve para nada. O Espírito é que dá vida. Ora, as palavras que vos disse são Espírito e Vida.” (Jo 6, 63)

“Que todos sejam um como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti. Que também eles sejam um em nós” (Jo17, 21).

Os profetas e os reis foram ungidos com o Espírito de Deus. Cristo, pelo contrário, possui a plenitude do Espírito:

“Aquele que Deus enviou refere as palavras de Deus, pois Deus não Lhe dá o Espírito por medida” (Jo 5, 34).

No interior dos que bebem do Espírito começa a brotar uma fonte de vida eterna (Jo 4, 14).

Temos de nascer de novo, mediante o Espírito (Jo 3, 3). O que nasce da carne é carne, o que nasce do Espírito é espírito (Jo 3, 6).

O Espírito Santo é o amor de Deus derramado nos nossos corações (Rm 5, 5). No nosso íntimo, o Espírito Santo é o poder de nos tornarmos filhos de Deus. Não pela vontade do Homem nem pelos impulsos da carne, mas pelo querer de Deus (Jo 1, 12-13).

A noção de carne no evangelho de São João é profundamente bíblica. Significa o ser humano como interioridade relacional e genealogicamente interligado a toda a Humanidade.

Ao dizer que o Verbo encarnou, São João está a pensar que o Filho eterno de Deus se relaciona e comunica connosco em grandeza humana através de Jesus.

O homem Jesus e o Filho eterno de Deus fazem um, pois formam uma unidade orgânica. Do mesmo modo, o Filho Eterno de Deus faz um com Deus Pai, embora sem se confundirem nem fundirem (Jo 10, 30).

Os que aderem a Cristo passam igualmente a fazer um com o Pai e o Filho (Jo 17, 21). Esta unidade, diz Jesus no evangelho de São João, é semelhante à que existe entre a cepa da videira e os seus ramos (Jo 15, 1-8).

A seiva, neste caso, é a força ressuscitadora e fecunda do Espírito que Cristo comunicou aos Homens no momento da sua morte e ressurreição (Jo 7, 37-39).


Em Comunhão Convosco
Calmeiro Matias




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